1
O sonhador espreita o tempo
como se nem vivo fosse.
O sonhador pensa
em outras dimensões
O sonhador pensa Elefante.
É quem vê o céu
e conhece as estrelas
já até pisou nelas,
o sonhador.
Num lugar distante, onde há paz
sem nenhuma vida humana,
somente espécies vegetais
dividem o mel com o sonhador.
Quem precisa de abelhas?
O sonhador foi quem inventou as abelhas.
E essa mania delas picarem,
e a nossa mania
de passar álcool
nas picadas das abelhas
O sonhador inventou tudo.
Então hoje, agora?
Por que estão processando o sonhador
naquela prensa de quatrocentos e cinquenta toneladas?
2
Um dia, cansado das perseguições
das manias de perseguição,
o sonhador se viu seguro e sozinho
no banheiro, armado e trancado.
Tudo que o sonhador precisava
ele teve a tez de pôr ali.
O banheiro fornecido
da matéria da cozinha
do quarto e da sala.
Cama mesa e banho
tudo no banheiro.
E passou ali o resto dos seus dias
sonhando
como um sonhador num banheiro.
3
O sonhador quase foi atropelado
por um carrinho de supermercado
na esquina dos biscoitos
ele foi surpreendido
por um grande carrinho embalado
por outro sonhador extasiado
o próprio piloto encarnado
num romano coliseu lotado.
4
O sonhador teve um sono longo
onde sonhou um grande amor
infinito como espírito,
doce como o mel.
Um amor só possível num sonho.
Quando acordou logo viu a casa desarrumada
o vizinho sem resistência no olhar
ou um carinho que pudesse mostrar
a passagem daquele fabuloso amor.
Pudesse o sonho próprio supor
que amor de sonho é invisível
e não se dá às vistas.
Amor de sonho é o secreto
e por isso ninguém o viu.
O policial carrancudo
a empregada cansada
o professor humilhado
o mendigo caído
As velozes carruagens modernas
os ônibus de trabalho lotados
as paraninfas da natureza
ninguém notou o amor sonhado
próprio da intimidade.
No entanto, depois de muito vagar
o sonho de amor
se viu visível, de tão falado.
Tanto procurou o sonhador
pelo seu sonho de amor
que o fez materializado
em um programa de auditório
numa polêmica briga pós casório
na novela, no cinema, no teatro
o amor ilusório ganhou o corpo jovem da atriz
de pele sedosa, loira loira de olhos claros
e o corpo do ator galã
gênio marombeiro sarado
os músculos delimitados, o olhar caído
apaixonados atores e atrizes
só faziam o papel do amor sonhado,
e assim todo o povo o reconhecia na rua,
quando o sonhador descia os becos e vielas
da sua casa favela, era parado pelos populares
Você está apaixonado, eu vejo no seu ar calado!
E negando o afirmado,
sabendo ser o criador do amor sonhado
o sonhador deixou de amar.
Se o amor não é mais sonho,
não precisa ser lembrado
menos ainda cultivado
Se o amor está incorporado
Não faz mais sentido sonhá-lo!
E foi o pensador à outra cama,
ter novos sonhos
ainda não assimilados
pela massa zelosa de amor sonhado.
5
O sonhador sonhou uma casa
grande o bastante pra caberem nela
seus doze sonhos diários.
Ergueu densas paredes de ideias
o chão feito com o coração,
ladrilhado com pedaços fartos da cor vermelha.
Colocou energia e alguma luz
com seu pouco conhecimento retirado
das apostilas de eletrônica.
O interruptor era seu cérebro
imenso refil de energia instalado.
Na entrada colocou flores de ouro
peças de luxuosa qualidade
confeccionadas por artistas mortos.
Em cada cômodo a mobília era só a necessária:
No banheiro uma lixeira
uma mesa na cozinha
um cachorro no quarto.
E os sonhos diários
os doze sonhos dia a dia acumulados
foram morando na casa
entre o cachorro, a lixeira e a mesa
foi ficando apertado.
Anos passaram e a casa ficou pequena
pra tantos sonhos criados
a família separou-se
foi cada um pra um lado
Sonhos separados
foram morar de favor e de aluguel
o bairro ficou povoado de sonhos desabrigados.
A prefeitura veio,
problema da prefeitura,
ela que resolva.
Com pouco tato
chamou a polícia
prendeu os sonhos
eram desocupados.
A solução foi levar
sonho por sonho
para um abatedouro
solução definitiva para os sonhos desabrigados
assim como faziam com os humanos
os prefeitos, policiais, autoridades,
um a um abateram os sonhos,
mas não sem antes documentá-los,
filmá-los,
tratá-los e vesti-los,
pois os sonhos,
quando documentados,
filmados,
tratados e vestidos,
aceitam morrer calados.